sábado, 20 de setembro de 2008

O Vento

Meu companheiro em viagens utópicas. Um guerreiro. Mas do vento que se levantou sobrou apenas um corpo que vagueia por aí. E o teu corpo vagueia longe. Trai memórias. Indignam-me as memórias. Peças brutas que impõem a sua realidade de puzzle. Antes um homem e uma mulher dançavam juntos sem secretas malícias. Uma pureza de seres que se abraçaram em união. E a beleza disso? Ainda te lembras da beleza disso? Não o isolamento áspero que te assombra em pesadelos de jovem descomprometido, de metade que quer ser unidade. Não. Uma comunhão. Uma força. Vagabundos que caminhavam na mesma loucura de pés descalços. Visionários nas noites passadas na areia a sonhar com um refúgio de vidro que os protegesse do mundo lá fora. [E agora quem me protege do mundo lá fora?] Podia ter sido uma liberdade. Mas o vento. Uma revolução de amantes mortos e amigos feridos em estado grave. Amigos que mal respiram. Amigos que só respiram. Amigos que trocam carícias mas não estendem a mão. Indigna-me o vento.

O Vento

domingo, 6 de julho de 2008

Tu eras. E nessa altura, não quero errar, gostavas de o ser. O único. Verdadeiro. Amor. Um herói. Quantas vezes me abriste. Quantas vezes me abri em ti. Ainda te lembras? Quantos muros à beira da estrada, quantas casas sem porta (eu sei que te lembras, eu vi que te lembras), quantas mesas da sala, quantos chãos. Uma segurança. Que se foi. Tenho cadáveres. Lembranças mortas. Películas detioradas. Filmes de outros séculos. Heróis são heróis e não morrem nunca. Heróis dão-nos a mão, salvam-nos quando todos nos pisam e mantêm-se no anónimato. Foi o que disseste. Quero a tua mão. A tua mão sem saber que é a tua mão. Tanto faz. Uma segurança. Como da última vez. Não me lembro da última vez. Tenho minas. Pela última vez. Salva-me.

quinta-feira, 3 de julho de 2008

O Tigre e a Neve

O destino perde o seu rumo quando se fazem pactos de morte. O mundo continua a sua roda e ninguém dá por isso. Mas eu. Mas nós. As noites mais lentas, as horas mais pegajosas, a vigília. O cheiro. O teu cheiro. Sempre o teu cheiro que me queima. O sono toca e foge, e a lembrança permanece. Aqueles momentos. Todos eles. E a culpa. Tanta culpa. Uma vida de negligência e quem diria que nunca mais adormeceríamos da mesma maneira. Mas há um dia, há sempre um dia, por mais que penses que não, em que o coração cede e a indiferença cai. E da queda nasce a neve. De repente, no tempo de uma respiração, um tigre ali deitado. Uma eternidade de esperança, um segundo de existência. Tu nunca sabes. Ninguém sabe. Um segundo vale sempre a pena.

quarta-feira, 16 de abril de 2008

I Find It Hard To Say - Lauryn Hill

"You think our lives are cheap
and easy to be wasted.
As history repeats,
so foul that you can taste it.
And while the people sleep,
too comfortable to face it.
His life so incomplete,
and nothing can replace it."

quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

Mais do que sobreviver à queda de um avião, sobrevivi à queda do meu coração por um avião ter voado.
E sou feliz.

quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

Porque o medo.

Gostaria de dizer-te o porquê. Explicar-te tudo isto. Mas como dizer-te que o medo. O medo cheira-nos à distância. Transforma os dias num amontoado de segundos que se seguem uns aos outros, trabalhando num esforço terrível para acrescentar mais um minuto ao tempo, esse tirano cruel que tem sempre fome. Os minutos muito pequeninos uns em cima dos outros e a hora tão alta, tão longe de alcançar. Como dizer-te que sozinha. O terror. Que antes não tinha medo de nada, porque o sofrimento faz-nos isto, torna-nos rochas que água nenhuma fura porque já doeu tudo o que tinha a doer. Como dizer-te que felicidade dói. Que o alívio de ver tudo passar nos torna escravos dos momentos bons, que já não somos rochas e que agora nos transformamos em pedras de gelo, pequeninas e cobardes sempre a olhar por cima do ombro, a ver e fingir que não se está a ver, não vá a Desgraça nos andar a perseguir. Porque estas coisas já se sabe. Um dia muito bem, ela sempre a cheirar-nos, sempre atenta aos bons momentos, aos sorrisos e abraços, isso isso contenta-te agora que a seguir zás. Como explicar-te que sem ti. Que os segundos continuam pequeninos e que juro que a tenho visto rondar-nos,a Desgraça, não não é paranóia, ela anda por aqui eu bem te disse ela não se esquece das datas, já faz um ano e ela cobra-nos a acrobacia. Como explicar-te que não devíamos tê-la fintado, que ela vê tudo e lá de cima mexe os pauzinhos, que um dia damos por nós e já não temos nada. Como explicar-te que vivo angustiada. Porque o medo. Porque o destino. Esta coisa que dá voltas ao estômago quando me dizes até amanhã e eu mesmo a ver que é amanhã que já não te vejo, porque durante este dia a senti mais perto ainda, ouvi-lhe os passos quando estavas a dormir, ela a querer-me dizer é hoje. É hoje. Como dizer-te que se calhar não deviamos ter saído do sofrimento, não saber dos sorrisos porque assim agente já sabe com o que conta, agente já conhece a maldade e claro habitua-se. Como dizer-te que agora tenho medo de dormir sozinha porque um dia corro mais depressa na tua direcção e sem querer, já se sabe como elas acontecem, tropeço nela. Que um dia abres os braços, como fazes para eu correr para ti, porque gostas de me ver assim desengonçada com ânsias de ti, porque me achas graça a essa necessidade de ti, se soubesses que não durmo, porque mais pequenina sou mais fácil de mimar. Achas graça. Que um dia tu de braços abertos, a sentires-me já o abraço e eu caiu e não te alcanço. E abraço nunca mais. Porque ela.