quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

Porque o medo.

Gostaria de dizer-te o porquê. Explicar-te tudo isto. Mas como dizer-te que o medo. O medo cheira-nos à distância. Transforma os dias num amontoado de segundos que se seguem uns aos outros, trabalhando num esforço terrível para acrescentar mais um minuto ao tempo, esse tirano cruel que tem sempre fome. Os minutos muito pequeninos uns em cima dos outros e a hora tão alta, tão longe de alcançar. Como dizer-te que sozinha. O terror. Que antes não tinha medo de nada, porque o sofrimento faz-nos isto, torna-nos rochas que água nenhuma fura porque já doeu tudo o que tinha a doer. Como dizer-te que felicidade dói. Que o alívio de ver tudo passar nos torna escravos dos momentos bons, que já não somos rochas e que agora nos transformamos em pedras de gelo, pequeninas e cobardes sempre a olhar por cima do ombro, a ver e fingir que não se está a ver, não vá a Desgraça nos andar a perseguir. Porque estas coisas já se sabe. Um dia muito bem, ela sempre a cheirar-nos, sempre atenta aos bons momentos, aos sorrisos e abraços, isso isso contenta-te agora que a seguir zás. Como explicar-te que sem ti. Que os segundos continuam pequeninos e que juro que a tenho visto rondar-nos,a Desgraça, não não é paranóia, ela anda por aqui eu bem te disse ela não se esquece das datas, já faz um ano e ela cobra-nos a acrobacia. Como explicar-te que não devíamos tê-la fintado, que ela vê tudo e lá de cima mexe os pauzinhos, que um dia damos por nós e já não temos nada. Como explicar-te que vivo angustiada. Porque o medo. Porque o destino. Esta coisa que dá voltas ao estômago quando me dizes até amanhã e eu mesmo a ver que é amanhã que já não te vejo, porque durante este dia a senti mais perto ainda, ouvi-lhe os passos quando estavas a dormir, ela a querer-me dizer é hoje. É hoje. Como dizer-te que se calhar não deviamos ter saído do sofrimento, não saber dos sorrisos porque assim agente já sabe com o que conta, agente já conhece a maldade e claro habitua-se. Como dizer-te que agora tenho medo de dormir sozinha porque um dia corro mais depressa na tua direcção e sem querer, já se sabe como elas acontecem, tropeço nela. Que um dia abres os braços, como fazes para eu correr para ti, porque gostas de me ver assim desengonçada com ânsias de ti, porque me achas graça a essa necessidade de ti, se soubesses que não durmo, porque mais pequenina sou mais fácil de mimar. Achas graça. Que um dia tu de braços abertos, a sentires-me já o abraço e eu caiu e não te alcanço. E abraço nunca mais. Porque ela.

4 demências:

Isabel Moreira disse...

nunca me esqueço.
nem esta escrita permitiria.

Demian disse...

É tão fantástico que chega a prender a respiração...
Que estupendo exercício de auto-reflexão. Expor desta forma os nossos medos mais íntimos é um acto de grande coragem...
Espero que te ajude a combatê-los, o facto de os dares a conhecer ao mundo. Afinal, quem lê o que escreves está contigo, e todos sabem que é mais fácil vencer as adversidades quando não estamos sozinhos. Ainda que, suponho, não fosse essa a tua intenção, quando publicaste este texto.
Um beijo

Manuel Bruschy Martins disse...

Gostei muito. A Joana escreve muito bem. Parabéns! Vou voltar, concerteza. Continue a escrever assim. Muito.

Anónimo disse...

"Já passou um ano", dizes tu. Já passou uma década, digo eu... Exactamente uma década...